quarta-feira, 11 de outubro de 2017

O segredo do pajé

Há alguns muitos anos, li o livro “As aventuras de Tibicuera” do Erico Veríssimo.  O livro narra as aventuras, do índio Tibicuera, que se  iniciam em 1500 e terminam em Copacabana no ano de 1942, ou seja Tibicuera participa do descobrimento, da monarquia, da independência , da abolição da escravidão, da criação da república  e por aí vai. Um espírito “teimoso” que se faz perene, quem sabe, até os dias de hoje. Vocês devem estar pensando:
- Como alguém consegue viver tantos anos?
A resposta está no capítulo “O segredo do Pajé”, onde:

“ O remédio está aqui dentro, Tibicuera. Não há feitiçaria. O pajé gosta de ti. Ele te ensina. Escuta. O tempo passa, mas a gente finge que não vê. A velhice vem, mas a gente luta contra ela, como se ela fosse um guerreiro inimigo. Os homens envelhecem porque querem. Só muito tarde compreendi isso. Tibicuera pode vencer o tempo. Tibicuera pode iludir a morte. O remédio está aqui — tornou a bater na testa. — Está no espírito. Um espírito alegre e são vence o tempo, vence a morte. Tibicuera morre ? Os filhos de Tibicuera continuam. O espírito continua : a coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de Tibicuera. O filho é continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu neto também terá descendentes e o teu bisneto será bisavô dum homem que continuará o espírito de Tibicuera e que portanto ainda será Tibicuera. O corpo pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. E eu te digo, rapaz, que isso só será possível se entre pai e filho existir uma amizade, um amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, que no fim Tibicuera não sabe se ele e o filho são duas pessoas ou uma só.”

É uma “visão” bem interessante sobre o que poderíamos entender como reencarnação.
Repentinamente esta bela ficção do Veríssimo me veio à mente outro dia quando sai para um lanche com o Th mais novo. Fiquei observando ele dirigindo do meu lado, lembrei de sua infância, sua adolescência e hoje na universidade. Nosso lanche foi regado a conversas sobre temas diversos e como não poderia deixar de ser, sobre a atual situação política do país e fiquei admirado com seu discernimento e sua maturidade
Tenho três filhos e o convívio com cada um deles foi, e é, um aprendizado gratificante no qual em várias ocasiões me vi/vejo na situação de “filho” e não de pai.
Sinceramente não sei como “adaptar” as lições de longevidade do pajé à dinâmica da vida contemporânea onde os relacionamentos afetivos são suscetíveis às intempéries dos apelos ao imediatismo, ao individualismo, ao consumismo, ao narcisismo, à disputa, ao egoísmo, ao individualismo em um mundo onde a prioridade passou a ser utilizar a tecnologia da virtualidade para mostrar o “eu estive lá”, “eu sou feliz”. Uma dependência emocional e “hormonal” do “like”, do “curtir” etc; mas com certeza tem algo que não mudou, não muda e jamais mudará que é o respeito da vida de um para com o outro, é o amor, a sinceridade, os valores, a ética, o exemplo que devem permear os relacionamentos familiares ou não.
Hoje além do convívio com meus filhos e minha querida Lu, tenho o privilégio do convívio com meus pais que tem 92 anos, mais um aprendizado gratificante na minha caminhada existencial.
Não consigo definir a dimensão de nosso relacionamento, avo-pai-filho, mas independente da “eternidade” de meu espírito, nosso convívio moldou o que poderíamos chamar de “eu”.

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