Lockheed L-049 Constellation pintado nas cores e marcas da Panair do
Brasil no Museu TAM em São Carlos (SP).
Estávamos no ano de 1965, mais
precisamente no dia 10 de fevereiro uma quarta-feira, eu e minha irmã estávamos
ainda de férias escolar e meu pai estava retornando ao trabalho após as suas
férias.
Vivíamos em um apartamento de
dois quartos, alugado, em Jacarepaguá, meu pai acabara de comprar os móveis
novos e eu brincava com o trenzinho elétrico que ele havia trazido de Manaus,
juntamente com uma calça Lee, que tinha até joelheiras.
A situação do país estava muito
ruim pois ainda sentíamos o amargor recente do golpe militar, e as perspectivas
não eram boas. Minha mãe vivia preocupada com o pai pois ele era envolvido com
questões do sindicato dos aeroviários e era totalmente contra o golpe militar,
claro.
Neste dia meu pai demorou a
retornar do trabalho, mas como a demora era o normal devido a sua profissão de
mecânico de avião, não estranhávamos. Lembro que ele chegou bem tarde,
cabisbaixo, triste e chamou minha mãe para conversar, lembro de frases como:
- E agora o que vou fazer,
aluguel, despesas domésticas, os meninos?
- Como eles fizeram isso, como
pode acontecer?
- Todo mundo perdeu o emprego.
Meu pai era um dos cinco mil
funcionários da Panair do Brasil, que perderam o “chão” após a cassação do
certificado de operação, uma falcatrua política/jurídica que envolveu também a
Varig, conforme documentário exibido na Globonews em 04 de novembro de 2017.
Coisas que permeiam os Poderes Tupiniquins até hoje e que parece ser um câncer
que se faz perene e se recusa a “morrer”.
O que ocorreu com a Panair do
Brasil foi algo inusitado e um fato totalmente desconhecido, ou escondido, da
maioria da população brasileira. Quero crer que a galera que fica conclamando
uma nova intervenção militar, também desconheça o fato, ou pior, concordam.
Resumidamente: A Panair do Brasil
era a maior empresa aérea da América Latina, dona de cinco aeroportos no
Brasil, a única empresa que levava assistência social aos povos indígenas da
Amazônia através dos aviões catalinas, tinha escritórios na Europa e USA, voos
nacionais e internacionais regulares, dona de uma avançada oficina de
manutenção de motores, a CELMA, e ainda fornecia a infra de telecomunicações
para Aeronáutica. Uma empresa de ponta nas terras tupiniquins. Teve sua
operação cassada, em 1965, sem nenhuma fundamentação financeira ou jurídica
tanto que em uma ação movida contra a União Federal, finalmente no ano de 1984
o STJ declarou que a falência da Panair fora fraudulenta e a União deveria
ressarcir a Panair. Isto nunca ocorreu.
Os efeitos desta perniciosa ação,
inconsequente e criminosa, afetou a vida de cinco mil famílias de pilotos,
aeromoças, mecânicos e demais funcionários; perderam de um dia para outro, seus
empregos sem entenderem o que estava ocorrendo, alguns cometeram suicídio.
Quanto a nossa família, e deve ter ocorrido algo bem semelhante com as demais,
cito alguns momentos:
- Meu pai, para conseguir a pão
nosso de cada dia, foi trabalhar em uma oficina mecânica de automóveis ganhando
quatro vezes menos,
- Meu pai foi na loja que havia
comprado os móveis e conversou com o dono da loja sobre sua situação e disse
que não poderia pagar a prestação dos móveis. O dono da loja disse: não se
preocupe, fique com os móveis e me pague quando puder,
- Um mês após a “demissão” de meu
pai, ele chegou em casa preocupado, pois não teria dinheiro para arcar com as
dívidas do mês, ao falar como minha mãe ela disse, não se preocupe pois o
dinheiro de teu décimo terceiro e férias, eu guardei não foi gasto
- Fui algumas vezes com meu pai,
apanhar nas instalações da Panair, a cesta básica que foram doadas aos
funcionários, por algum tempo.
- Meu pai, como outros
trabalhadores da Panair foi a julgamento civil/militar. No dia do julgamento
não sabíamos se ele voltaria para casa. Durante a audiência o juiz perguntou ao
Paulo Sampaio, presidente da Panair:
- O Sr. sabia que em sua
Companhia havia uma célula comunista?
Ele respondeu:
- Meritíssimo em nossa Companhia não
tem comunista, tem cinco mil famílias trabalhando em prol de uma empresa
Os funcionários da Panair foram
absolvidos.
- O dono do apartamento, onde
morávamos, pediu o imóvel e ficamos sem ter para onde ir. Meu padrinho, tio,
irmão de meu pai, que também era mecânico de avião na Panair e um ser humano
fantástico, nos acolheu em sua casa. Uma casa de quatro quartos onde moravam
cinco pessoas, meus tios e primos, fomos nós quatro também morar.
Os anos passaram, muitos outros
desafios foram superados e hoje estamos aqui, meu velho pai tem 92 anos e minha
mãe também, estamos bem.
“Todo mundo quando lembra a ditadura, lembra
com razão da tortura, das mortes, da violência contra os partidos políticos,
mas pouca gente presta atenção na violência jurídica, a violência jurídica não
sai sangue, mas é tão grave quanto a outra violência, a violência jurídica é
disfarçada ela se dissolve, as pessoas não acompanham” Artur da Távola.
A violência jurídica é algo
sistemático nos poderes nacionais, não importando suas pobres ideologias.
Eu, meus pais, a Lu os Ths mais
velho e o do meio, assistimos o documentário pela Globo News, mas ele está
disponível no Youtube, no link abaixo. Convido vocês a também conhecerem a
Família Panair.
Panair do Brasil, um exemplo de
Gestão e empreendedorismo, que na época (ha mais de 50 anos) incomodou muita
gente.
https://www.youtube.com/watch?v=e1A9W_9xSts
By Brother60.
Mais um show! Parabéns!
ResponderExcluirÓtimo texto! Parabéns a sua família por ter se mantido unida pra superar isso tudo!
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